domingo, 30 de dezembro de 2007

Mais amigos

Tenho um amigo, que por acaso até é amigo do meu amigo que tem um fraquinho por um bom par de chapadas, que recebeu uma guitarra eléctrica de presente de Natal. Tenha-se presente que o meu amigo em questão nunca teve formação musical. No entanto, isso não o impede de se arrogar como a maior autoridade em tudo o que tenha a mínima pretensão melodiosa. Do rock ao ragga, passando por indie e até mesmo jingles publicitários radiofónicos alusivos a materiais de construção civil e a estabelecimentos que fazem casamentos e baptismos na cave, he's the man. E ai de quem ouse sequer questionar a sua douta sabedoria, tão sabedora que sabe sozinha que o seu saber não conhece rivais. Outro amigo tem ele, e eu, e o meu amigo que é partidário do tabefe (o mundo é pequeno), que só não diz que sabe mais que ele, porque tudo aquilo que ele - o da guitarra eléctrica - ouve, ou coagita ouvir, já esse meu amigo, não o das bofetadas, não o supra-sumo musical, mas o outro, o novo, ouviu, re-ouviu, fartou-se, e voltou a ouvir passado uns largos tempos, como quem decide relembrar um Phil Collins poeirento. É verdade, he's that good.
Só não se considera ainda mais iluminado musicalmente do que o outro amigo eléctrico porque tem consciência do vanguardismo que carrega nas costas, qual cruz que pesa como um grito insuportável, desconhecida e desconsiderada pelos demais. Sofre em silêncio, ele, e a sua música. Estava eu há coisa de umas horas, depois de um filme que não reuniu consenso, cuja banda sonora consistia numa música, ainda por cima dum gajo morto, o que é esperto, quanto mais não seja pelos direitos de autor, o Eu Sou Uma Lenda (vale a pena ir ao cinema só para fazer a gorda da bilheteira repetir vezes sem conta o nome do filme), ainda a tentar explicar que tinha gostado do filme, sem no entanto achar que era nada de extraordinário, pela simples razão que me tinha pregado uns quantos cagaços e me tinha mantido colado à cadeira (o último filme que fui ver foi o Assassinato de Jesse James, esse sim uma obra-prima, da qual falarei no seu devido tempo, mas que é o antípoda deste, o que talvez tenha influenciado o meu julgamento), quando o meu amigo, não o novo incompreendido, nem o que tem a mão solta, mas sim o que é proprietário de um instrumento musical, por sinal conotado com alguma agressividade e energia, decide dizer que já sabe tocar uma ou outra coisa. Fruto da referida associação entre a guitarra eléctrica e barulhos estridentes, assim como da sua quase infindável cultura musical, epíteto esse de que o outro amigo, o Jesus Christ musical, discorda, entre músicas (que estar na vanguarda dá trabalho), emitindo um ruído que se assemelha ao de um roedor assustado, a única resposta possível e imaginária seria...exactamente a que estão a pensar, nem mais, o Frère Jacques, esse hit do jardim-escola. E com esta tirada, vai ficar certamente o meu amigo vanguardista sem saber o que fazer, surpreendido que está com tão arrojada escolha, porque o Frère Jacques é antigo, ridículo e estúpido de se tocar numa guitarra eléctrica (como aqueles CDs para ensinar a aprender uma língua em que a frase que nos fazem dizer vezes sem conta é qualquer coisa como "A repartição de finanças está encerrada"), mas ao mesmo tempo é bastante cool, pelo que o mais provável é que o seu ímpeto modernista esmoreça, ficando simultaneamente o meu amigo da guitarra eléctrica sem referência (constantemente negada, que supra-sumo que se preze não tem referência), perdido para sempre, sem encontrar outra solução que não seja a de levar à perfeição o seu Frère Jacques na sua guitarra, passando a carregar ele a cruz, que lhe cai mal porque não está habituado nem a queria carregar. Maldito CD de aprendizagem.

Um Bom Ano.

8 comentários:

Anónimo disse...

este blog está-se a tornar um bocado "Seinfeldish"

rosé mari disse...

não sei se isso é bom ou mau, mas quem acha que tem um estilo absolutamente próprio e único, recusando admitir influências alheias, é o menos original de todos, e engana-se a si mesmo.

estranho seria, se ao ler, ver e ouvir artistas que admiro, não absorvesse parte do que capto, tentando transportar - umas vezes conscientemente, outras não - aquilo que interiorizei, para o que escrevo, falo, e sou. faz parte do processo de admiração. imitation is the sincerest form of flattery, disse uma vez charles colton.

no entanto, e apesar de gostar bastante de seinfeld, it's been years desde a última vez que vi um episódio/stand-up performance do dito, e até acho que a terem influências externas (os últimos posts), que as têm, isso te garanto, e são perceptíveis numa primeira leitura para os mais atentos, não se encontra o seinfeld no meio delas.

assim sendo, george, assumirei que se tratou de um elogio, agradecendo-o, sem deixar contudo de opinar que não colhe, para os posts em questão.

um forte

Anónimo disse...

Não era suposto ser bom nem mau. Só uma observação em relação a este post pelas suas semelhanças com o humor do Seinfeld. Só um comentário para se ainda não te tivesses apercebido disso.
Quanto ao blog, não mudes. Ou melhor, vai mudando como tens mudado.

rosé mari disse...

certíssimo. obg

Martim disse...

Frère Jacques, Frère Jacques,
Dormez-vous? Dormez-vous?
Sonnez les matines! Sonnez les matines!
Din, dan, don. Din, dan, don.

rosé mari disse...

just for the record, o outro, o novo, é o surfista/marketeer/former geek

Anónimo disse...

judice, so pa dizer que a piada da gorda da bilheteira ta genial. das melhores que ouvi nos ultimos tempos sem duvida.

grd abr

outro ze maria

rosé mari disse...

mt obg, homónimo