sábado, 26 de janeiro de 2008

Barba non facit philosophum

É impressionante o poder dos brocardos em latim. Parecem ser revestidas de um metal precioso, e não de plástico, como as normais, as contemporâneas, as que temos na cozinha. As frases em latim são como aquele serviço de prata que era dos nossos avós, e que está guardado religiosamente, envolto em papel grisalho, da mesma cor dos seu donos anteriores, na última gaveta de um armário poeirento por fora.

No entanto, as frases em latim são way cooler que os serviços de prata. Enquanto que estes têm de esperar anos e anos por uma oportunidade para brilharem, vítimas da raridade e preguiça das ocasiões especiais, aquelas parecem meretrizes de um bordel de alto gabarito, sempre prontas a fazerem o brilharete, mediante certos, escassos - a nível formal, mas não material -, requisitos mínimos.

Mas cuidado, muito cuidado. É que no meio disto tudo, as frases em latim, pegando outra vez no exemplo das distintas rameiras - I'm feeling so whory today -, não são mais do que prostitutas do Intendente transformadas em rameiras de luxo à custa de quilos de maquilhagem, salto altos em agulha e roupa de latex brilhante. Tal como estas mulheres, também estas frases, ao serem proferidas em latim, abdicam do seu carácter simples e discreto, passam de frases a brocardos, prostituem-se ao serviço dos eruditos.

Para citar alguns exemplos: Quod me nutrit, me destruit; Alea jacta est; Ad commodum suum quisquis callidus est. Qualquer uma destas frases, lançada no meio de uma discussão, discurso ou simples conversa, implica um tilt automático e perplexidade geral. Sem querer incorrer demasiado em comparações com as lides da libertinagem, a sensação produzida é basicamente a mesma do que a se cria se levarmos a Sheyla, ou a Daisy (e aqui, adoptou-se uma private joke que tem tanto de subtil como de volumosa), a um jantar de família. Experimente-se agora, na mesma discussão, discurso ou simples conversa, proferir com o mesmo ar eloquente: O que me alimenta, destrói-me; A sorte está lançada; Cada qual acode onde mais lhe dói. Tiraram o tempero a esta salada de palavras, coitada.

Pior que isso, só quando a frase em latim é ao mesmo tempo um provérbio popular. Gutta cavat lapidem, non vi sed saepe cadendo; Equi donati dentes non inspiciuntur; Horrescit gelidas felis adustus aquas. Aí, caros amigos, é que a porca torce verdadeiramente o rabo, ou melhor, porcu veritur rapu torquere, uma vez que, fruto da inevitável associação que criei nos vossos cérebros à custa de engenhosas comparações com prostitutas, frases em latim que sejam simultaneamente provérbios populares puxam automaticamente para...exacto, meretrizes oriundas da Beira Baixa, de facial hair abundante e morbidamente obesas, nos mesmos saltos altos, tatuagens de borboletas escondidas no meio dos pneus, e roupa de criança. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura; A cavalo dado não se olha o dente; e Gato escaldado de água fria tem medo. Não só se tira o tempero à salada, como ainda se lhe deitam algumas moscas e uns quantos cabelos em cima.

Ao vosso cuidado.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Conto com toques de conselho



"João era assim, e sabia-o. Precisava de se perder para se conseguir encontrar, de saber que o controlo lhe escapava por entre os dedos como finos grãos de areia, só assim gostava de ir à praia. E por ir à praia, entenda-se apaixonar-se. Sim, João era aquilo a que se convencionou chamar um hopeless romantic , and a textbook one, dizia quem julgava que o conhecia melhor.

No princípio, quando as paixões eram motivadas mais pela curiosidade e encontros hormono-acneicos, João refugiava-se na sua adolescência e nas suas borbulhas para justificar esse sofrimento do qual, misteriosamente, não se conseguia separar, por mais que quisesse, por mais que tentasse. E João tentava, ou pelo menos pensava que tentava, e debatia-se, protestava, vociferava que o mundo era injusto e o amor uma merda, sem no entanto perceber que o problema era apenas e só endógeno, e que já nessa altura vivia e crescia dentro dele como um parasita, um piolho amoroso, piolho esse que João, qual criança na sua frágil ignorância, coçava de forma raivosa e desesperada, porque João não sabia como curar tão ardiloso problema. E por piolho entenda-se ego, ego esse que João acalmava e sossegava, justificando-se duplamente, a ele e ao ego, perante essa sua tendência para sucumbir perante paixões não correspondidas. Pensava ele que o seu problema era de uma gravidade tal que seria impossível existir alguma cura para essa maleita que o atormentava nas manhãs da sua adolescência resignada.

Passaram os anos, e com eles surgiram beijos, amores, descobertas, aventuras e alguns (poucos) arrependimentos, sempre com a curiosidade como pano de fundo de um sentimento ofuscado. Para João, tudo era novo, e por isso - e pelo pano de fundo do palco das suas acções - é que os arrependimentos eram poucos. No entanto, João experimentava, mas não se inscrevia, não se apaixonava verdadeiramente, por medo, por segurança, por estar plenamente convicto de que a paixão só era concebível na sua forma sofrida. Fugia-lhe a adolescência, e com ela a desculpa do patinho feio que sustentava uma vida de engano, mas os dilemas amorosos, esses, tornavam-se cada vez mais robustos, complexos e irresolúveis. E assim ia vivendo, refugiando-se em paixões impossíveis, mais-que-platónicas, paixões que não o eram. O que lhes faltava em amor, sobrava-lhes em sofrimento, se bem que para João a paixão era exactamente isso, vazio, aperto e sofrimento.

João não percebia que de paixão isso não tinha nada, que essa paixão era tão verdadeira como o fogo que cheira a gasolina. Era paixão destruidora e não criadora, pelo que nunca poderia ser verdadeira e absoluta, e assim, João jamais seria feliz. Não compreendia que o que sentia, ou melhor, o que sentia evitando sentir, se devia, não à impossibilidade do sentimento, mas ao disfarce carnavalesco por ele criado, à redoma de segurança dentro da qual João vivia. É que João refugiava-se inconscientemente nas paixões impossíveis, como ele gostava de as chamar, pois sabia que assim nunca sairia totalmente magoado, uma vez que estavam condenadas à partida. O medo do fracasso, o medo de falhar, superiorizavam-se à vontade de se apaixonar, fechavam-na à chave no quarto dos sentimentos do seu coração. E esse subterfúgio, por mais contraditório que possa parecer, era o que lhe permitia, sem que no entanto o soubesse, continuar a acreditar no amor, dado que nunca tinha sido realmente desiludido. A sua ideia de amor era incompatível com qualquer forma de sofrimento, e era por isso que João se comportava dessa maneira, iludindo-se em nome do seu ideal inconsciente, quase kantiano, de amor. Sofria, é verdade, mas de uma maneira pensada, racional, minuciosa até, como se de um mal-menor, quando comparado com o sofrimento, esse sim imenso e arrasador, que se apoderaria dele se alguma vez tentasse verdadeiramente amar e não fosse correspondido, se tratasse.

Até que um dia, não se sabe bem porquê mas desconfia-se por quem, João percebeu que sofrimento e paixão estavam efectivamente interligados, não de forma horizontal, como achara até então, mas sim verticalmente. Compreendeu que só conseguiria amar completamente se admitisse o fracasso e a desilusão, não na forma fingida que já bem conhecia, mas como sentimento inevitável de uma paixão fracassada. Que o risco fazia parte do jogo, da contenda, de se apaixonar. E ao pensar assim, João compreendeu também que não havia mal nenhum nisso, que da mesma maneira que uma relação começa, pode acabar, porque as pessoas, tempos e vontades mudam, porque às vezes Pimenta Machado tem alguma razão: o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira (ou pelo menos pode não ser tão verdadeiro como era ontem), e quando assim é one's gotta learn to let go, em vez de se deixar levar e seduzir pela obsessão da auto-culpabilização, espiral interminável de uma tristeza que corrói uma pessoa por dentro. "Isso, nunca!", pensava João, ao mesmo tempo que se sentia revoltado com o tempo que tinha demorado a perceber algo que agora lhe parecia tão óbvio, tão estupidamente óbvio. Descobriu ainda que só quando uma pessoa aceita a sua natureza humana, influenciável, passion-driven e imperfeita, é que está pronta para amar completamente. Que, no fundo, if you're not able to eventually have to let something go, you're not able to love at all.

Não se sabe se João é ou foi feliz, até porque não se sabe se João existe no presente ou faz parte de uma memória passada. O que se sabe é que, desde então, João perdeu o medo de se apaixonar, passou a sentir-se vivo, apaixonou e apaixonou-se, e percebeu que, como em quase tudo na vida, é preciso errar para se conseguir acertar."

Pedro Garfias, adaptado


Um conselho para um amigo.

Obtuso

"Pedra angular é aquela pedra, pequena, cortada em triângulo e que é colocada mesmo no ponto mais alto de um arco, ou de uma ogiva, e que aguenta e junta as duas partes de uma porta ou de um tecto em arco. É uma pedra que não faz força, não precisa de ser grande, mas se alguém a tirar cai tudo. Há pessoas assim: parece que não fazem nada e, contudo, nada funciona sem elas."

Padre Vasco Pinto de Magalhães, in Não há soluções, há caminhos


De certeza que houve uma mãozinha do Luís Freitas Lobo no pensamento do dia 21 de Janeiro do Senhor Padre. É que o que ele queria, no fundo, era descrever o Petit. Benfiquista dos sete costados, o Senhor Padre..

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Trilogia das entrevistas - Parte III


III - Entrevistas a jogadores latinos de futebol, recém-chegados, a meio da época ou no fim da época de estreia

♫ blah blah blah ♫, lisboa é linda, faz muito sol e a comida é maravilhosa, ♫ blah blah blah ♫, ainda não viram o verdadeiro insert-your-desired-player-name-here, ♫ blah blah blah ♫, o insert-your-desired-player-name-here joga em qualquer posição, até a guarda-redes se o mister quiser (risos).

Bastante importante o pormenor do discurso na terceira pessoa. Se não estiver presente, é porque não se trata de um puro-sangue. Isso, e os (risos), e não risos, depois da piadinha relativa à disponibilidade para jogar a portero/goleiro.

Porreiro, já fiz uma trilogia, e não demorei mais de uma hora, hora e um quarto, com jeitinho. Impossível, depois de isto, continuar a admirar o Tolkien pelo o que quer que seja. Vejo-me forçado a dirigir todos os meus ímpetos admiracionistas para a Ana Maria Magalhães e a Isabel Alçada, essas sim, escritoras de valor, com a sua centoetrintaeseteologia. E o raio dos putos sempre com a mesma idade. Não só são imaginativas, como controlam o tempo, e, qual cereja no topo do bolo, ainda utilizam esse poder, que nas mãos erradas poderia ter consequências assustadoras, para fins pedagógicos. Espectacular, e revelador de uma nobreza humana irrepreensível. Bravo, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Tempus regit actum



Já que não se distraem os olhos, que se eduquem os ouvidos. Esta saiu-me um bocado pretensiosa. Um bocado à campeão. Indiferente. A ser campeão de alguma coisa, será seguramente da modéstia. Olha outra, qual paradoxo da campionice.

É uma personal favorite. Palavras ficam para quando o quotidiano deixar o fast-forward, e voltar a acompanhar o ritmo desta música.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Exam season in a paragraph

Não é por falta de ideias. Não é por não querer escrever sobre elegias do Estado...e do espírito, ou sobre a lei do tabaco, qual (Zé) Maria-vai-com-todos, ou ainda sobre a art of letting go, nem sobre os filmes, livros e músicas que me ocupam os intervalos ociosos. Não, não é por nada disso. É mesmo porque, primeiro a Concorrência, com o seu exército de acordos verticais, horizontais, mergers, joint ventures e comunicações da Comissão; depois os mecanismos de intervenção do Estado - o Estado, sempre o Estado! - enviados pela Economia Pública, espiões sob a forma de saldos estruturais, critérios rawlsianos de utilidade e contribuintes ricardianos; e finalmente, as garantias que o Processo Penal tratou de salvaguardar, através de direitos de defesa, (des)igualdades de armas e oportunidades processuais, não me têm deixado escrever. Espero, a partir de quinta, que as Técnicas de Expressão voltem a ocupar gradualmente o meu dia-a-dia. Isso, e um bocado mais de actividade física, prego. Prego.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Trilogia das entrevistas - Parte II



II - Entrevistas a participantes de reality shows (mais precisamente aquelas que passam no programa de estreia, antes da entrada do concorrente)

blã blã blã (português pouco conseguido), sou teimoso(a), blã blã blã, sou amigo(a) do meu amigo, blã blã blã, a qualidade que mais aprecio é a honestidade, blã blã blã, sim tenho namorada(o) mas não penso que seja um problema.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Trilogia das entrevistas



I - Entrevistas a sex-symbols

blah blah blah, tímida, blah blah blah, não me acho sensual, blah blah blah, que me faça rir.

Duas notas soltas

(or how my brain is working on the night before an exam)

1 - Com a criação da REC (Rede Europeia da Concorrência), a Comissão passa, do puto marrão a quem toda a gente pede ajuda - mas se algo correr mal a culpa dele, para o puto popular, que tem o que quer, quando quer.

2 - Pai que goste e se preocupe verdadeiramente com a filha põe-lhe um nome tramado de encontrar no hi5/facebook/outros que tal. Do género Maria Santos. Isso sim, é amor. Afinal de contas, pas de résultat, bonne résultat, ou neste caso, beaucoup de résultats, bonne résultat.

Wish me luck

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Bom Ano

Bom Ano. O velho. Que o novo tenha ciumes do quanto eu gostei e gosto do seu predecessor, e me faça também viajar, continuar a viver à porta do Raval, e sentir o mesmo formigueiro e adrenalina desta montanha-russa que é a vida.

Que se encha de inveja e me leve a querer ser mais e melhor, contigo, comigo, com todos.

Que se irrite ao ponto de me continuar a proporcionar Primaveras, Verões e arrepios de tudo e mais alguma coisa, e me dê asas que me permitam ir da costa vicentina a Buenos Aires, de Budapeste a Vila Nova, da minha cama ao fim do mundo.

Que me empurre com a força dos seus 365 dias e me faça correr, dançar, ver e sentir, mostrando-me caminhos sem mapas, concertos inesperados e paisagens indescritíveis. Isso, sem mapas, confundindo-me de vez em quando para que eu consiga descobrir o caminho sozinho, para que eu me perca por opção e aprenda a tratar o desconhecido por tu.

Que barafuste e me desperte para livros, filmes, músicas, mares e jardins, fins de tarde e mergulhos em praias paradisíacas, bidos de cerveja numa mão e liberdade na outra. Que discuta e me faça gritar de alegria, ou de tristeza se for caso disso, desde que essa tristeza só intervenha para lembrar a alegria do quão feliz ela é, mas sim, sobretudo de alegria, e de preferência bem alto, para que o grito seja ouvido por muitos, os outros, os que dormem sem sonhar.
E que lá mais para a frente, já cheio de confiança, se envaideça e arraste outros, muitos, os suficientes, os certos, a ti, sim, a ti, comigo, nesta viagem que parte lentamente sem saber para onde vai, comandada apenas por uma vontade incomensurável de ir.

Mas sobretudo, que seja, e que não tenha medo de o ser de forma intensa e apaixonada, não se escondendo na sombra de anos passados ou futuros, e que me prove que um sonho acordado pode durar mais que um ano.