quarta-feira, 8 de julho de 2009

Flashbacks

Antes de começar, queria só avisar que isto vai acabar de maneira completamente inesperada. Leio Ortega y Gasset, um livro genial deste filósofo espanhol, daqueles em que se vai notar que o li, pela quantidade de frases sublinhadas e cantos de página dobrados. Tenho esse hábito, na vaga esperança que os meus putos sejam menos teimosos e orgulhosos que o futuro pai e encontrem alguma graça nas partes do livro que me marcaram, quando o li.

Já tinha comprado o livro aqui, e dá pelo nome de Estudios sobre el amor. Dirão, com (alguma) razão, que estudar o amor é um ultraje, uma negação total de todos e quaisquer sentimentos românticos; que o amor não se estuda, vive-se, sente-se, sofre-se, descobre-se nos sentidos e não na razão. Mas é exactamente por não se dever estudar o amor que dou mais mérito a quem o consegue fazer, como Ortega y Gasset, dissertando sobre o gajo ao longo de mais de 200 páginas.

Na altura, quando o comecei a ler, parei a meio, porque, confesso, estava a ter algumas dificuldades com o espanhol (a língua, não o senhor José Gasset). Agora, perdido no meio da minha pilha de livros que tenho para ler, fui resgatá-lo. Pois bem, este senhor é apenas e só um génio. É daquelas pessoas que, se fosse preciso, conseguiria apaixonar a mulher mais desejada do mundo com uma conversa sobre semi-condutores, e isto supondo que a mulher mais desejada do mundo não tem qualquer ligação, profissional ou afectiva, aos ditos.

Curiosamente, a re-leitura coincidiu com um facto que, para quem me conhece há já mais algum tempo, assume especial relevância: encontrei o bolo de bolacha perfeito. Já tinha tido essa sensação ("todo amor verdadero (...), nace en coup de foudre y es un flechazo. Poco puede apostarse a un amor que nace lentamente; cuando es plenario surge de un golpe, de tal modo instantáneo y arrollador, que lo primero de que él advierte es un fabuloso, irresistible anonadamiento. (...) El amor a aquella figura imaginaria preexistía ya; solo esperaba una ocasión favorable para dispararse.), mas achei por bem confirmá-la, não fosse o juízo, que se quer o mais possível objectivo, desvirtuado por condicionantes subjectivas. Afinal de contas, afirmar a existência tangível de algo perfeito, pode ser muito perigoso, para não dizer impossível. Kant, por exemplo, era menino para ficar chateado. E ninguém se quer chatear com Kant - não deve ser fácil discutir com ele, sobretudo quando não se fala alemão. No entanto, confirmei hoje que estava certo: quando é, é, e não há volta a dar. Claro que corro o risco de encontrar outro que saiba melhor, se bem que não me parece possível, mas se até os paradigmas mudam, porque não haverá de mudar um simples bolo de bolacha? Não me parece crível, dada a extensão da pesquisa que realizei, but you never know.

Mas qual é a relação que se pode estabelecer entre um livro de Ortega y Gasset e um bolo de bolacha? "São os dois doces". Quem é que foi o panasca que disse isso? Não, não tem nada a ver. Ortega y Gasset afirma que os ideais não são algo de transcendente, que não gravitam acima do mundo terreno, que mais não são do que realidades que nos estimulam e cativam ("diríase que son los ideales cosas ajenas, sublimes, a la vida y que ésta cuando asciende a ellos sale de sí misma y se eleva sobre su modesta órbita natural. No comprenden los que favorecen tal equívoco el daño que hacen a su propio idealismo. (...) La vida (...) es imposible sin ideal, o, dicho de otra manera, el ideal es un órgano constituyente de la vida)"). Pois bem, ao ler isso dei-me conta que, realmente, o bolo de bolacha perfeito pode existir, e existe mesmo. Ergo, não faz sentido continuar a Odisseia, até porque sabe Deus - e mais umas quantas pessoas - a quantidade de bolos de bolacha que varri pelos quatro cantos de Portugal (acho que até no estrangeiro os comi!), ou seja, não cheguei a essa conclusão no dia seguinte a ter começado a Odisseia, o que, convenhamos, até poderia ter acontecido, pese embora carecesse de solidez, quer do ponto de vista prático, quer teórico.

"E onde pára o safado, que eu já estou cheio de curiosidade, uma vez que, apesar de não gostar tanto de bolo de bolacha como tu, Rosé Mari, não digo que não a uma fatia, uma vez ou outra, se não estiver muito cheio?", perguntam. Pois bem, para não variar nestas coisas, no sítio onde menos esperava encontrá-lo, o que mostra também o grau de profundidade e solidez da pesquisa, servindo (espero) como prova de credibilidade que, sim senhor, o gajo bateu muito restaurante, tasca, tasquinha, self-service, café, snack-bar e inclusivamente caterings: na cafetaria da Cruz Vermelha Portuguesa, ali para os lados de Sete Rios, com uma tarde de frigorífico. Podia entrar em grandes descrições, comentando a presença, quase imperceptível, do café, o seu tamanho (ideal), ou ainda a maneira como a manteiga combina com a bolacha maria de forma irrepreensível, mas prefiro não me perder em -íveis, e sugerir que o provem, quando por lá passarem, para verem como eu tenho razão. Eu bem avisei.

9 comentários:

Anónimo disse...

:)

Anónimo disse...

É inevitável. Uma pessoa acha sempre que aquele bolo de bolacha é que é, mas depois passado um tempo acaba sempre por enjoar e ser sempre a mesma coisa. Dou 2 ou 3 anos de limite no máximo. E depois descobre-se outro bolo de bolacha, e daquela vez aquele é que é... deves saber bem isso, basta olhares para trás.

rosé mari disse...

é um risco que se corre, nunca podemos saber em absoluto se aquele é o melhor bolo de bolacha do mundo, até porque a pessoa pode mudar (e em muitos casos muda), e começar, por exemplo, a gostar mais de café do que gostava há 10 anos.

mas se o bolo de bolacha é assim tão bom, das duas uma: ou a pessoa não muda, e continua a gostar dele para sempre; ou muda, e se gostar realmente do bolo, vê se ele também não se importa de levar um bocadinho mais de café.

nada tem de ser forçosamente eterno; se o for, tanto melhor. mas se não for, que se siga vinicius, e depois logo se vê.

de qualquer maneira, quem quer que sejas, espero que encontres o teu bolo de bolacha (ou doce predilecto equivalente), porque pelos vistos isso ainda não aconteceu.

Anónimo disse...

e a ti, quantas vezes já te aconteceu? LOL é mais essa a questão, é que acontece muitas vezes! Tu também sabes isso, vê lá quantos foram os teus.

rosé mari disse...

se me conhecesses, saberias que aconteceu uma vez, e foi com o da cruz vermelha.

Anónimo disse...

conheço. então até aqui andaste a brincar aos bolos de bolacha? e como podes amar um bolo de bolacha que ainda não comeste assim tantas vezes, que ainda não provaste em todas as ocasiões, em todos os estados, e ainda há pouco tempo, que mal conheces mas idealizaste? bem, o tempo o dirá.

rosé mari disse...

pensas que conheces, o que é bastante diferente lol.

claro que não ando a brincar ao bolo de bolacha, da mesma maneira que não consta que Ulisses tivesse andado a brincar à Odisseia - o bolo de bolacha merece ser tratado de forma séria, não ando aqui a brincar com isto...and let's not get carried away with this, é só um bolo de bolacha.

Anónimo disse...

lol isso não vale. lá por os teres comido não quer dizer que os tenhas saboreado, o que é totalmente diferente! ou podias estar numa fase que não querias saborear, ou sem disposição, sei lá. Pode ter havido alguns que não saboreaste e que eram melhores do que esse, mas isso nunca vais saber...

Anónimo disse...

"flashbacks"

afinal.. isto tinha a ver cmg ou não?