terça-feira, 20 de novembro de 2007

A mulher e o(s) burrié(s): a possibilidade da equação

Caríssimo Sr. Motorista da Desentop - Desentupimentos e Limpeza de Fossas,

Calma. Comecemos pela palavra de ordem. É perfeitamente normal que esteja neste momento a questionar o porquê de lhe ter sido endereçada uma carta estranha, que nem é como aquelas que está habituado a receber das selecções Reader's Digest e outras empresas que tal, nem vem com o selo que a sua Tia Maria Luísa costuma pôr, sempre que lhe escreve com as novidades da terra. Ao contrário desses embustes (refiro-me obviamente aos primeiros, longe de mim faltar ao respeito à sua Tia), se ler isto até ao fim, já ganhou, pelo que lhe peço encarecidamente que o faça com a mesma atenção, e calma, com que aborda um cano cheio de merda até ao ralo.

Não nos conhecemos. Felizmente para mim, in- para si, nunca entupi qualquer tipo de fossa, pelo que a vida, até hoje, não nos tinha juntado. Minto, quanto à parte de não ter entupido qualquer tipo de fossa. Há coisa de um ano entupiram-se-me os canos da casa-de-banho e foi um cheiro que só Deus, e o Sr. Motorista seguramente, sabem. E eu, claro. Peço desculpa (pela primeira vez) por não o ter chamado.

O pensamento que o invadiu neste momento tem toda a razão de ser, já me devia ter apresentado. Não foi por mal, há qualquer coisa de heróico na sua profissão que me tira do sério. O meu nome é Zé, ou Zé Maria, ou Júdice. É a Santíssima Trindade do meu nome. Trocando por míudos, sou aquele gajo que lhe desferiu umas buzinadelas hoje, pelas 16:30, ali na António Augusto Aguiar, como quem vai para o Parque Eduardo VII. E aqui, aproveito para lhe pedir desculpa -este, o pedido original- pela segunda vez. Se, por um lado, a velocidade ridícula a que circulava me conferia o direito de barafustanço, não é menos verdade que o que se passou a seguir justificava as mesmas buzinadelas, mas por razões totalmente diferentes.

Creio que não estava no alcance do seu campo de visão, porque estava ao meu lado no sinal (lembra-se, aquele mesmo ao lado do Corte Inglês, que parece uma homenagem à subida à Senhora da Torre?), mas o que os meus olhos avistaram nesse intervalo de tempo acompanhar-me-à, espero eu, até ao fim dos meus dias. Do outro lado da estrada, no engarrafamento habitual daquele cruzamento, estava um Renault Clio cinzento metalizado. Claro que sim Sr. Motorista, isto não tem nada de especial, tenha calma, que já lá chegamos. Deixe-me gozar o prato (no fim do parágrafo seguinte, vai pensar nesta frase e vai emitir uma sonora gargalhada, como se fosse meu amigo de longa data).

Dentro desse Renault Clio estava uma mulher. Não era uma senhora, também não era uma miúda, era uma mulher, com os seus 30-35 anos, diria eu. Ora bem, essa mulher -não Sr. Motorista, não era boa comó milho, muito menos uma sereia fora dágua- até tinha bom aspecto, ou melhor, não tinha ar de bardajona, algo que, nos dias que correm, é salutar. Mal sabia eu, nessa altura, que estava prestes a ser bafejado pela sorte divina. (Não se esqueça da frase de há bocado, que afinal vou precisar de mais um parágrafo)

Pois bem, Sr. Motorista, estava eu a passar de relance pela dita mulher, quando me dou conta que a mesma tentava sacar das suas fossas...nasais, um molusco gastrópode de concha univalve, vulgo burrié. Exacto, logo aí, motivo de galhofa. Mas há mais, muito mais. Depois de lograr os seus intentos, não contente com o sucesso da sua empreitada, mirou o macaco, suspenso no seu dedo indicador, olhos nos olhos, encostou-o ao de leve -como que para prová-lo- no lábio inferior (a crueldade, senhores!), para, depois de uma ligeira hesitação, ingerir o dito, indiferente aos clamores de piedade do pobre coitado. Contudo, para minha simultânea estupefacção e encanto, a mulher não se ficou por aqui. Segura das suas convicções, viram os meus olhos, Sr. Motorista, preparou a mulher nova investida: mindinho hasteado de fazer inveja a qualquer tia wannabe chic, e lá foi ela em busca do macaco perdido. Uma vez sacado, sofreu o mesmo tratamento metódico, qual serial-killer, Sr. Motorista!, que havia sido aplicado instantes atrás ao seu irmão mais velho. Olhar observador, prova (como se de um Barca Velha, aquele vinho caro dos ricos Sr. Motorista, se tratasse) no lábio inferior, momento de reflexão e botabaixo. Eu não lhe disse que a frase ia fazer sentido?

Já em lágrimas, molhadas por aquele sentimento que invade uma pessoa quando sabe que acabou de ver algo único, chega o momento maquiavélico. Ainda de burrié na língua, eis senão quando o olhar da glutona se cruza com o meu. Drama, horror, pânico, todos os substantivos albarranescos que se consiga lembrar Sr. Motorista, transpareceram instantaneamente na cara da mulher. Como não sou mau, e como o sinal tinha acabado de ficar verde, achei por bem erguer-lhe o polegar e fazer um fixe, em gesto de "não estejas assim, isso é perfeitamente normal", mas sobretudo de agradecimento.

Sem se aperceber disso, o Sr. Motorista transformou a minha terça-feira num dia inesquecível, e tudo à custa dessa sua teimosia em embraiar uma terceira. A carta é, então, para lhe agradecer pelo excesso de zelo, dado que na altura não tive oportunidade de o fazer. Estava completamente atordoado, espero poder contar com a sua compreensão.

Sabia que elas faziam isto? Pois, eu também não. É verdade, hoje em dia está tudo maluco, sabe-se lá onde é que isto vai parar. Pelo andar da carruagem, tarda nada também se peidam debaixo dos lençóis para depois cheirarem.

Não o estorvo mais. Fica o meu singelo obrigado, e os votos de, como se costuma dizer no mundo do teatro e suponho que também no do desentupimento de esgotos e limpeza de fossas, muita merda. Se algum dia se cruzar com um Polo de matrícula 50-80-VE, buzine, como quando dois minis antigos fazem quando se encontram no meio de Lisboa. Pode contar com o meu sorriso de orelha a orelha.

Com estima,
Zé Júdice

8 comentários:

Anónimo disse...

genial

Maci disse...

ahahah

Galiano disse...

Mt bom post zé maria júdice! Lembrou-me um clássico episódio de seinfeld, curiosamente "the pick".

Anónimo disse...

grande momento, muito bem contado e floreado lol

Fizeste-lhe mesmo um fixe?
Diz-me que sim!!!

rosé mari disse...

todos os factos relatados na história são 100% verídicos!lucky me, I guess

Anónimo disse...

Judite,

Espectacular!Essa senhora é raríssima!
Difícil será encontrar, uma experiência única que tive na Ponte 25 de Abril, quando passo da faixa que faz um barulho ensurdecedor para uma mais a direita, se não quando olho para a direita(faixa mais à direita) e me deparo com um mega sexo oral de uma senhora ao seu esposo/namorado/amigo; este mesmo olha pra mim esboçando um sorriso infinito seguido de um "fixe"...com uma tranquilidade única...

abraços

rosé mari disse...

hahaha

Anónimo disse...

Em caso de acidente com a viatura em questão não se preocupe:

"Saber se veículo está segurado

A pesquisa retornou a seguinte informação:

Matrícula: 50-80-VE
Companhia: Groupama Seguros, S.A.
Data de início: 2004-05-19 "

fonte: http://www.isp.pt/NR/exeres/019EEB91-E357-4A7C-8BD2-B62293701692.htm

Qualquer agente de autoridade, tribunal ou companhia de Seguros, atribui a culpa a quem tenha vestígios de burriés no aparelho digestivo.

Atenciosamente

Departamento de Investigações sobre Narcóticos, Substâncias Alucinógenas, Àlcool Etílico e Burriés