segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Machado de Assis

Comecei devagar. Três dias depois, discutindo-se o orçamento da justiça, aproveitei o ensejo para perguntar modestamente ao ministro se não julgava útil diminuir a barretina da guarda nacional. Não tinha vasto alcance o objeto da pergunta; mas ainda assim demonstrei que não era indigno das cogitações de um homem de Estado; e citei Filopémen, que ordenou a substituição dos broquéis de suas tropas, que eram pequenos, por outros maiores, e bem assim as lanças, que eram demasiado leves; fato que a história não achou que desmentisse a gravidade de suas páginas. O tamanho das nossas barretinas estava pedindo um corte profundo, não só por serem deselegantes, mas também por serem anti-higiênicas. Nas paradas, ao sol, o excesso de calor produzido por elas podia ser fatal. Sendo certo que um dos preceitos de Hipócrates era trazer a cabeça fresca, parecia cruel obrigar um cidadão, por simples consideração de uniforme, a arriscar a saúde e a vida, e conseqüentemente o futuro da família. A Câmara e o governo deviam lembrar-se que a guarda nacional era o anteparo da liberdade e da independência, e que o cidadão, chamado a um serviço gratuito, freqüente e penoso, tinha direito a que se lhe diminuísse o ônus, decretando um uniforme leve e maneiro. Acrescia que a barretina, por seu peso, abatia a cabeça dos cidadãos, e a pátria precisava de cidadãos cuja fronte pudesse levantar-se altiva e serena diante do poder; e concluí com esta idéia: O chorão, que inclina os seus galhos para a terra, é árvore de cemitério; a palmeira, ereta e firme, é árvore do deserto, das praças e dos jardins.
Memórias Póstumas de Brás Cubas

Devorem Machado de Assis. E se não gostarem de ler em "brasileiro", azar, habituem-se. É que este gajo não escrevia em "brasileiro", mas sim na língua universal dos génios. Como se isso não fosse suficiente, ainda fazia malabarismo com palavras, dogmatizava o indogmatizável e discorria sobre o indiscorrível, como no trecho acima. Só assim, aliás, conseguiu elevar duas histórias potencialmente desinteressantes a obras-primas. E agora, depois de O Alienista e Outros Contos, Dom Casmurro e o já citado Memórias Póstumas..., segue-se o Quincas Borba, personagem desta última obra que deu em livro.
Lobo Antunes deve ter razão: o livro é, efectivamente, um ouvinte, que está ali ao serviço do leitor. Só assim consigo explicar que, ao ler a história de Brás Cubas, desse por mim a pensar que a vida de Quincas Borbas, personagem secundária daquele livro, daria um livro espectacular, para depois constatar que Machado de Assis pensou da mesma forma me ouviu. How cool is that?

3 comentários:

El-Gee disse...

vou seguir o conselho, que ja nao eh o primeiro!

(nao sei se ja leste os Capitaes da Areia, num estilo muito diferente e obviamente posterior? mt bom, entrou no meu top 10 mal li, recentemente)

rosé mari disse...

já ouvi dizer muito bem, mas ainda não me aventurei na obra de jorge amado. e antes de o fazer, também seguindo um teu conselho (mais antigo), quero atirar-me ao the dying animal!

El-Gee disse...

eh pa sim isso eh fundamentaL!!