segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A insustentável leveza do ser


A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera, devia ser de leitura obrigatória. Em português - ou em francês, se preferirem, que até foi a língua em que o livro foi escrito, apesar da nacionalidade checa do escritor. Verdade seja dita, só pus o nome do livro aqui em francês porque acho que L'insoutenable légèreté de l'etre consegue ter ainda mais estilo que a tradução para português, e está taco a taco com a equivalente inglesa, The unbearable lightness of being, nome que também não deixa de ser do cacete. Como é óbvio não foi por isso, ou não foi só por isso, mas se percebessem tudo deixavam de vir cá.

Sem querer estragar a história, Kundera parte de uma ideia de Parménides (que não se cansa de desconstruir e questionar), segundo a qual as coisas "leves" são positivas e as "pesadas" são negativas. A esta associa duas outras: a da inevitabilidade das coisas, o es muss sein! de Beethoven, o "tem de ser!", referindo-se constantemente ao poder e à beleza dos acasos como antecâmara do amor, porque o que tem de ser, tem muita força; e à impossibilidade do eterno retorno, ou seja, de tomarmos banho duas vezes na mesma água de um rio - ou mais, para aquela malta que toma todos os dias banho no rio.

Recorrendo, por várias vezes ao longo do livro, a estas três ideias principais, constrói um romance - com várias histórias de amor e atracção interligadas e às vezes parece que paralelas - que se mistura com a realidade histórica da Checoslováquia sob ocupação russa, conseguindo descrever as relações de força e fraqueza no amor, bem como a influência que o passado familiar pode ter na vida amorosa de uma pessoa, de uma forma que eu nunca tinha visto num livro. E de vez em quando sai-se com umas tiradas de génio, como esta:

O amor não se manifesta através do desejo de fazer amor (desejo que se aplica a um numero incontável de mulheres), mas através do desejo de partilhar o sono (desejo que só se sente por uma única mulher).

É tão genial, que chega a ser tipo brutale.

8 comentários:

Teresa disse...

Lê "o livro do riso e do esquecimento" e a "imortalidade". N tenho coragem de fazer comparações no que toca às obras do senhor Kundera mas tambem são maravilhosos! Recomendo vivamente

rosé mari disse...

o segundo não conheço, mas o primeiro está algures no amontoado de livros que tenho para ler, e que estranhamente nunca ficou mais pequeno desde que o criei lol. sendo assim vou lê-lo, bjs teresa!

Morales disse...

Ia recomendar "A Imortalidade" mas a Teresa antecipou-se a mim. Li A Imortalidade e A Insust Leveza do Ser e acho que gostei um bocadinho mais do primeiro.

Morales disse...

Já agora levanto aqui uma questão que se me ocorreu com o teu post. lol Qual é a tradução para "insoutenable"? É que a tradução de "unbearable" é insuportável. E não insustentável. Qual é a que está certa? A portuguesa ou a inglesa?

rosé mari disse...

o nosso especialista francófono só se desloca ao blog às quartas de manhã, mas é bem visto sim senhor. à primeira vista diria que a tradução portuguesa está mais certa do que a inglesa, mas esta última também não está errada, bear tanto pode querer dizer suportar como sustentar, e também acho que unbearable fica melhor do que unaffordable lol.

Morales disse...

"A Caríssima Leveza do Ser" lol

Anónimo disse...

Ambas as traduções estão correctas - e a portuguesa também. Mas a escolha de palavras inglesas rompe com a raiz latina do verbo sustinere, que é a base tanto para o soutenir como o sustentar.

O que é engraçado é que a fórmula inglesa consagrou um sentido adicional que Kundera não podia ter previsto mas que não está mal pensada. To bear provém do anglo-saxão beran, que é uma bastardização do latim ferre - por turno uma bastardização do grego pherein. E pherein significa carregar com custo, que é exactamente a ideia de esforço como meio de continuidade que sustinere não tem (significando apenas a continuidade de esforço).

No plano dos significados correntes, tudo isto é equivalente. "Insuportável" só modernamente adquiriu a sua componente psicológica.

Aproveito para dizer que nunca li Kundera...

rosé mari disse...

afinal o nosso especialista em línguas passou por cá mais cedo.

confesso que fico um bocado preocupado, porque a partir de agora já percebi que todas as palavras que utilize correm o risco de ser dissecadas de uma maneira feroz por este prezado linguista, a quem aproveito para agradecer este iluminado esclarecimento.