quarta-feira, 31 de março de 2010

Decisão do CJ da FPF: Hulk / Sapunaru

(este o artigo do Regulamento Disciplinar da Liga, por esta aplicado)

Artigo 115.º - Das agressões

1. São punidas nos termos das alíneas seguintes as agressões praticadas pelos jogadores contra:
(...)
Delegados ou outros intervenientes no jogo com direito de acesso ou permanência no recinto desportivo;

e) Agressão que determine lesão de especial gravidade quer pela sua natureza quer pelo período de incapacidade: suspensão de 1 a 6 anos e multa de € 5.000 (cinco mil euros) a € 25.000 (vinte e cinco mil euros);

f) Agressão em outros casos: suspensão de 6 meses a 3 anos e multa de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) a € 7.500 (sete mil e quinhentos euros).


(este, o artigo, do mesmo diploma, aplicado pela FPF)

Artigo 120.º - Das agressões

1. São punidos nos termos das alíneas seguintes as agressões praticadas pelos jogadores contra:
(...)
Público:

j) Agressão: suspensão de 1 a 4 jogos e multa de € 750 (setecentos e cinquenta euros) a € 3.750 (três mil setecentos e cinquenta euros);

l) Resposta a agressão: suspensão de 1 a 3 jogos e multa de € 200 (duzentos euros) a € 2.000 (dois mil euros).


De acordo com a informação disponibilizada pelos jornais, o CJ da FPF entendeu o seguinte: «Afigura-se-nos que serão [intervenientes no jogo], além dos delegados dos clubes e demais pessoas que desempenham funções no quadro das equipas em confronto (treinadores, massagistas, médicos), o diretor de segurança, o diretor de campo e o delegado da Liga». Ora, a ser assim, quer os stewards, quer as forças de segurança, não serão tidas como intervenientes no jogo, mas sim como público, e a medida máxima e mínima da sanção aplicável a um jogador que os tenha agredido serão reduzidas proporcionalmente.

Contudo, dado que «na determinação da responsabilidade disciplinar devem ser subsidiariamente observados os princípios do direito penal.», nos termos do art. 7.º do Regulamento, então sempre se poderá argumentar que nem haverá lugar a sanção do Hulk e Sapunaru, uma vez que o direito penal proíbe a aplicação de pena sem lei incriminadora, bem como o recurso à analogia, proibições essas reiteradas pelo próprio Regulamento. Com efeito, se a dúvida tem razão de ser na qualificação da polícia e stewards como intervenientes no jogo, o mesmo não sucede na sua eventual qualificação como público: é uma estupidez de todo o tamanho.

Polícia e stewards não são público, isto é, não fazem parte do conjunto de pessoas que se dirigiu ao estádio para assistirem ao jogo. Se o fizerem, não estarão a exercer as suas funções convenientemente. Parte integrante do público será, para além de todos aqueles cujo acesso ao interior do estádio foi feito através da compra de um bilhete, por exemplo um jornalista, e isto porque o critério qualificativo de alguém como público passará, julgo, por verificar se essa pessoa se deslocou ao estádio com o propósito de assistir ao jogo, seja a título pessoal, seja profissional.

Como é óbvio, independentemente da punibilidade da conduta dos jogadores na justiça cível e penal, é no mínimo chocante que a mesma possa passar incólume, ou com a sanção ridícula de 4 jogos, na justiça desportiva. Assim, as agressões a stewards e a polícias deverão ser tipificadas ou, em alternativa, deverá entender-se que os mesmos são intervenientes no jogo. Agora, a qualificação destes como público não só me parece incorrecta como, sobretudo, duplamente perigosa. Em primeiro lugar, porque a sanção aplicável é manifestamente insuficiente para a ofensa em causa; em segundo lugar, porque retira à sanção grande parte da sua função preventiva.

Mais, tendo em conta que os stewards e as forças de segurança estão no estádio para manter a ordem, é fundamental que sejam respeitados plenamente no exercício das suas funções e que, consequentemente, uma ofensa à sua integridade física seja especialmente condenável. Como se pode perceber, trata-se, também, de uma questão de credibilização externa da própria competição.

Assumindo, então, que a punibilidade de uma agressão a um steward cabe na previsão do artigo 115.º do Regulamento Disciplinar, o passo seguinte será, necessariamente, o de concretizar o conceito de “intervenientes no jogo”. Para o efeito, sempre se poderá recorrer, como ferramenta interpretativa, ao disposto no artigo 1.º, d), do dito Regulamento, que define agentes (desportivos) como «os dirigentes e funcionários dos clubes, jogadores, treinadores, auxiliares-técnicos, árbitros e árbitros assistentes, observadores dos árbitros e delegados da Liga, médicos, massagistas e, em geral, todos os sujeitos que participem nas competições profissionais organizadas pela Liga ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito dessas competições». Parece-me ser o caso dos stewards. Mais, a sua presença era obrigatória no jogo em questão, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, § único, do Regulamento de Competições e da Portaria n.º 1522-C/2002 de 20 de Dezembro.

Refira-se, por fim, que o recurso ao artigo 1.º, d), não configura um caso de interpretação analógica, nem sequer de interpretação extensiva. Trata-se, isso sim, de o recurso ao elemento sistemático como subsídio interpretativo.

Face ao exposto, acho que deste caso se devem retirar três grandes conclusões:

1 – A decisão do CJ FPF não foi feliz. Se há dúvidas que os stewards possam ser intervenientes no jogo, público não são de certeza. No entanto, não punir, em sede de justiça desportiva, uma agressão a um steward, é chocante e pode pôr em causa a própria credibilização do futebol.

2 – Para o futuro, deve pensar-se seriamente na alteração do regime disciplinar aplicável às agressões, por parte dos jogadores, a stewards e também às forças de segurança. A introdução de um artigo que tipifique as infracções será, a meu ver, a melhor solução, evitando-se dúvidas interpretativas – as disposições sancionatórias devem ser claras. A alteração justifica-se, não só por questões de rigor legal, mas também, e sobretudo, pela importância da salvaguarda da segurança nos estádios.

3 – O Porto representa um enorme balde de merda.

1 comentário:

tom disse...

Nas conclusões falta-te um ponto...

4- Quando é que vamos jogar para Espanha?

Se para a Liga, os referidos stewards inseriam-se no âmbito de "interveniente no jogo com direito de acesso ou permanência no recinto desportivo", para o CJ não. Duas interpretações que fazem toda a diferença, já que, no primeiro caso (artigo 115.º Regulamento Disciplinar da Liga), o quadro penal implicava uma suspensão de seis meses a três anos, que seria substancialmente reduzida na segunda hipótese: um a quatro jogos (artigo 120.º, alínea J).


Agora se tanto a polícia, bombeiros ou stewarts são considerados públicos, isso tem de ser mudado já. Alias considero isso uma falta de respeito às autoridades, estes que têm de acompanhar claques de estádio a estádio e ainda tem que levar com os estatutos a chamarem-lhes de público.

Agora vem a novela da indemnização.

Quinta estás lá?

Abr tom