quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Tu queres ver, não pensaram os 5

Juntaram-se os 5. Podia dizer-se com toda a certeza que eram grandes amigos. Afinal, já se conheciam há uns anos: 23, se não me falha a memória. Tinham todos uma novidade para contar, diziam animados. «Nem vão acreditar», pensavam os cinco, sem saber, em uníssono. Não digo que não tenham chegado a estranhar que a combinação tivesse sido sugerida por todos em datas bastante próximas, mas não fizeram disso caso. Compreensível, se pensarmos que achavam convictamente que a sua novidade era deles e só deles, porque tamanha sorte não poderia nunca bafejar 5 de uma vez só.

Não tiveram de se deslocar muito, uma vez que se encontraram a meio caminho de todos menos um. Por sinal, até era a casa de um deles, o mais comunicativo, e que ao ver chegar os 3 amigos - o quarto amigo chegou atrasado, porque vivia mais longe -, desde logo começou numa descrição imensa de um sabor e textura únicos que a todos deixou curiosos.

Já empolgado com o que ouvia, um dos três ouvintes não deixou que a primeira história chegasse ao fim e começou a contar a sua. Parecia louco, tal era a forma como falava. Anunciava, de forma irrequieta, a descoberta de um cheiro doce e inebriante, que fazia com que o sentisse e como tal o procurasse, mal dele se afastava, em todos os cantos e recantos. Chegou inclusivamente a afirmar estar a ser alvo de uma perseguição, como se se tratasse de um opositor de fundamentalistas bascos. Dois dos amigos continuavam contemplativos, cada vez mais interessados, mas sem nunca, porém, nem sequer por um segundo, desconfiarem daquilo que se tornará óbvio no fim desta história.

Nisto, eis que chega o quinto amigo. Qual? Mais atenção, o que estava atrasado, porque morava mais longe. Tinha vindo às apalpadelas, por não se lembrar muito bem do caminho; e esbracejava, pois tinha uma novidade para contar. «Todos temos», responderam em coro, dois deles mais alto. «Mas a minha é que é», e acto contínuo, começa a descrever uma textura estranhamente semelhante à do primeiro amigo. «Só pode ser coincidência, isto é só meu», pensou o primeiro amigo, inicialmente chateado, depois a rir-se de si mesmo, por lhe ter passado pela cabeça que aquela sensação poderia ter escolhido mais alguém que não ele. «Impossível», concluiu. Estava, portanto, já distraído e imerso nos seus pensamentos, e pouco ouvia a descrição animada e cheia de curvas do quarto amigo, que mais parecia estar a descrever um acidente natural de uma beleza imensa e, diz quem conhece, indescritível. Devia ser por isso - ou talvez fosse por uma razão bastante mais óbvia - que se socorria constantemente de gestos para completar a sua história. Perdia-se na descrição que fazia, por sucumbir repetidamente ao irresistível desejo de nela passear, ainda que com a sua mente apenas. E à medida que avançava no que tinha para contar, voltavam a ouvir-se, cada vez mais alto, as vozes dos dois amigos que já tinham falado.

A dada altura, tomando consciência de que monopolizavam o diálogo, viraram-se os três para os dois amigos que os observavam, atentos a cada pormenor da conversa, um mais focado nos sons que ecoavam pela sala, outro nas expressões faciais e corporais de quem contava a história. Por breves momentos, e pela primeira vez desde que tinham chegado, fez-se silêncio, tendo os dois amigos interpretado, e bem, que o mesmo significava uma concessão tácita da palavra. Um dos amigos olhou para o outro, como que fazendo-lhe sinal para avançar. E assim fez: meio absorto, quase que hipnotizado, entrou num relato de sons, suspiros, palavras, histórias, músicas e, inclusivamente, silêncios, que se entrelaçavam e o envolviam numa teia, sim, uma teia, que o sacudia de si mesmo e o levava a viajar por sítios que até então desconhecia. Nesta parte final, identificaram-se todos, mas não disseram nada. Parecia estar ligeiramente anestesiado, e falava ao som de uma música inaudível para os demais.

Cansado de falar, coisa que não fazia muito, virou-se, com cara de bons ouvidos, para o amigo que faltava e que o observava fixamente. «E tu?», perguntou-lhe. Fixo agora noutro ponto, este imaginário para os demais mas real para ele, começou a descrever, com um brilho nos olhos, uma paisagem surpreendentemente parecida com a do amigo que tinha chegado atrasado. Contou formas, cores, contornos e paraísos de uma riqueza visual que faria baça a maior das pedras preciosas, e as parecenças com algumas das descrições iam-se adensando cada vez mais, sem que ninguém percebesse ou quisesse perceber.

Cada vez mais entusiasmados com a conversa, foi com enorme surpresa que um deles, o que falou em segundo lugar, começou a sentir um cheiro - primeiro distante, depois mais próximo - a cigarro. Não era só a cigarro, tinha mais qualquer coisa. Cheirava a fumo. Pouco tempo depois, estavam os cinco à procura, em vão, da sua origem. Digo em vão porque só o encontrariam se ele quisesse. Vindo de um canto a baixa-luz que todos juraram, no dia seguinte, já ter procurado, apareceu a fumadoura figura, limitando-se a dizer: «Ainda não perceberam que falam todos do mesmo?», desaparecendo logo de seguida e deixando cinco atónitos amigos, na casa de um deles (o comunicativo), que ficava a meio caminho da casa dos restantes (menos da de um), a juntar as peças das histórias de todos.

E foi então que o primeiro se reviu na textura do terceiro, que por sua vez se encontrou nas curvas e formas do quinto, quinto esse que percebeu que aqueles movimentos só podiam dar origem ao som descrito pelo quarto. Só o próprio quarto e o segundo, então, teimavam em não acreditar na figura misteriosa, mas não demoraram muito a ser convencidos, pelos demais, que aquilo que descreviam mais não eram que efeitos diferentes de uma mesma realidade que até há pouco tempo julgavam ser só deles. E assim, com efeito, como bons amigos que eram, aceitaram partilhar a origem, mas como bons amigos que eram, não aceitaram fazer o mesmo com os efeitos. Esses, continuariam a pertencer e a enlevar exclusivamente a cada um, de forma pessoal e intransmissível.

(isto continua)

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